sábado, 21 de outubro de 2017

Os negócios do fogo...



Desde sempre que houve Florestas, desde sempre que houve pessoas – e o seu grau de educação sempre tem evoluído. Sempre houve pirómanos e desequilibrados. Sempre houve calor e outros fenómenos meteorológicos propiciadores a fogos. As preocupações com o ambiente têm aumentado (e bem) exponencialmente. Os meios tecnológicos à disposição são cada vez mais e melhores.

Apesar de tudo isto,o número de incêndios florestais não cessa de aumentar e atingiu este ano de 2017 proporções inimagináveis. A área ardida este ano em Portugal é destacadamente superior à soma da área ardida de todos os países da União Europeia. Quase 10% de Portugal é hoje cinza e terra queimada!

Não restam muitas dúvidas de que a principal razão que leva a este aumento de fogos, cuja esmagadora maioria vem a público como tendo origem criminosa – embora sempre difusa – tem a ver com "negócios" a que se convencionou chamar "o negócio do fogo", ou "a indústria do fogo". Ou seja, quanto mais dinheiro o governo anunciar que vai injetar no combate aos fogos, mais fogos irá haver...

Eis algumas hipóteses sem preocupação de hierarquia:
- Ao "negócio" da compra e venda da madeira; a madeira queimada é mais barata, dá lucros a curto prazo, mas é suicidária a longo prazo;
- Às celulosas, no sentido em que poderão querer promover a substituição do coberto vegetal por outro de crescimento mais rápido e melhor para o negócio do papel;
- À especulação imobiliária, no sentido de favorecer o "negócio" da compra e venda de propriedades; - Ao "negócio" da caça privada versus caça pública, atente-se às polémicas havidas;
- Ao "negócio" das indústrias relacionadas com o combate a fogos, viaturas, equipamentos diversos, extintores, compostos químicos, etc., alguns dos quais estão relacionados com elementos da própria estrutura de comando de bombeiros (como chegou a vir a público no ano transato);
- Ao "negócio" dos meios aéreos para combate a incêndios. Este negócio disparou nos últimos anos. Até ao governo do Engenheiro Guterres a maioria dos meios aéreos envolvidos pertencia à Força Aérea (FA), que tinha gasto nos anos 80, cerca de 200.000 contos em equipamentos. Foi no longínquo ano de 1997 que o Secretário de Estado Armando Vara entendeu (sabendo-se o passado deste homem, já se pode adivinhar o porquê desta decisão!), que não competia à FA intervir nos incêndios mas sim que deveriam ser contratadas empresas civis. Compreende-se mal esta atitude a não ser pela sanha existente por parte da maioria dos políticos em menorizar os militares e as Forças Armadas. Certo é, também, que a FA não paga comissões.

Elencados todos os negócios que lucram, diretamente ou indiretamente, com a indústria subjacente aos incêndios, compete ao Ministério da Administração Interna apurar e quantificar esses lucros. Fala-se hoje que os bombeiros podem receber 50 Euros por cada dia de combate (não sei se é verdade isto). Mas também se sabe que o aluguer de meios aéreos para combate a incêndios a empresas privadas origina lucros de milhões de euros. Ora se houver necessidade de estender os prazos de aluguer a períodos antes e depois do verão (a chamada fase Charlie) o lucro dessas empresas pode vir a duplicar. E o certo é que, curiosa e estranhamente, os dois dias com maior número de ocorrências e ignições em 2017 ocorreram precisamente fora do período normal do contrato dos meios aéreos.

Não posso deixar de citar o que me disse um dia um agricultor, do alto dos seus 80 anos e uma vida passada no meio da natureza: "No dia anterior ao maior incêndio aqui na aldeia, apareceram aqui umas avionetas. E eu vi alguma coisa cair dessas avionetas ali para o meio da serra. Não sei o que seria, mas o que eu sei é que umas horas mais tarde a serra estava toda a arder!"

Não deveria investigar a Polícia Judiciária o que lançam essas avionetas ou helicópteros, em vez de se procurar o incendiário solitário, pirómano ou desequilibrado psicologicamente, de que tanto se fala? Perguntem às populações se nas horas que antecederam as ignições observaram algum movimento suspeito por aeronaves? E depois é só investigar de onde partiram e a quem pertencem. Será assim tão difícil ou não há interesse em encontrar os verdadeiros responsáveis?

Em função do que se disse anteriormente, sou de opinião que os meios de combate a incêndios devem estar na FA. O Estado deverá investir na aquisição de novos meios, reforçando o dispositivo de combate aéreo, no lugar de pagar milhões de euros todos os anos a empresas e fundos de investimento donos desses dispositivos que, obviamente, pretendem ter lucro sem olhar a meios. É que, aparentemente, já não se trata de um investimento sazonal, ao contrário do que acontecia até aqui. Paralelamente a esse reforço, que permitiria que os meios de combate estivessem sempre operacionais e disponíveis, independentemente de contratos de extensão de prazos (também estes de milhões), acordos de cooperação entre países amigos poderão e deverão ser celebrados para otimizar o investimento feito.

Nota: Este texto apoia-se em dados de um artigo de opinião, publicado originalmente em 2004 por João Brandão Ferreira.

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